A nova sensação do esporte mundial está conquistando muito mais do que fãs, está se transformando em uma verdadeira vitrine para diversas marcas
O lutador Anderson Silva (Spider) entra no octógono. Do outro lado, outro brasileiro, Vitor Belfort. A luta é cheia de expectativa, afinal, os dois possuem uma série de títulos, vitórias históricas na modalidade e decidem o cinturão dos médios no UFC 126 em um duelo apelidado de "luta do século". Mais do que isso, eles entram com a missão de aproximar o esporte do público. E o resultado do duelo naquele dia 6 de fevereiro de 2011 foi além do esperado.
"A luta entre Anderson Silva e Vitor Belfort foi a primeira real mobilização popular em torno do MMA (Artes Marciais Mistas) no Brasil. Todos queriam ver o duelo entre o número um do país e o lutador brasileiro mais popular entre as pessoas que não eram fãs do esporte", afirma Alexandre Matos, editor do MMA Brasil, portal referência na modalidade.
Segundo ele, esse foi o grande estopim para a alavancada do MMA e das competições do UFC (Ultimate Fighting Championship) – que hoje está se transformando na nova "menina dos olhos" dos amantes de esporte e também do marketing.
E os números são impressionantes no Brasil e no mundo. De acordo com a empresa de marketing esportivo Turnkey Sports, o UFC transformou-se na marca esportiva mais valiosa dos Estados Unidos em 2011. Com a renda média de 70 milhões de reais por noite, o evento superou ligas como NBA (de basquete), NFL (de futebol americano) e X-Games (de esportes radicais).
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Imagem: Divulgação/ Revista Administradores |
Aqui no Brasil, já tivemos algumas competições do UFC (no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte), com recordes na compra das lutas pelo sistema de pay-per-view, inaugurações de dezenas de academias de artes marciais - inclusive para crianças - e mais de US$ 130 milhões em faturamento através de produtos licenciados pela marca na América Latina. Inclusive, na rede social do Facebook, o UFC foi o tema mais citado pelos 30 milhões de usuários no Brasil ano passado.
A aceitação do esporte, principalmente entre o público jovem, e as fortes estratégias de marketing adotadas pelos organizadores do evento estão ocasionando uma revisão de diversas marcas. Se antigamente pensar em associar a imagem da empresa a esportes violentos era uma grande heresia, hoje, transforma-se em uma chance real de visibilidade.
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"It's time"
O bordão adotado pelo apresentador do UFC Bruce Buffer na hora das lutas e utilizado como intertítulo logo acima cabe como uma luva para falar sobre o momento desse esporte e das marcas que começaram a investir nele.
A justificativa, inclusive, está na ponta da língua do manager de atletas, Bruno Mendonça: "isso se deve, sobretudo, ao perfil do público que consome este esporte. As marcas se interessaram em associar seu nome pela possibilidade de se relacionar com o consumidor do UFC, seja através de ações pontuais, ativações in loco, ou somente pela exposição que a competição gera. Se existe consumidor potencial acompanhando lutas de MMA, então, este esporte é uma ferramenta interessante".
Dentro dessa linha, as expectativas apontam para um crescente investimento nesta modalidade. De acordo com recente pesquisa da Deloitte, a taxa de crescimento de adeptos e fãs do esporte, que há alguns anos era praticamente desconhecido no Brasil, já o transformou no 8º esporte favorito entre os brasileiros. O resultado é a valorização em termos econômicos e a atração de consumidores e novos patrocínios.
E atualmente não faltam marcas buscando seu espaço nesse território. Há patrocínios de empresas de materiais esportivos, montadoras de automóveis, redes fast food, laboratórios de tecnologia e até de livraria. A Burger King, por exemplo, fez uma campanha com o Anderson Silva desmistificando o mito dos lutadores terem que ser sempre valentões e maus. A Ford aproveitou o mesmo atleta e a atriz Deborah Secco para propagandas da sua linha Fiesta RoCam.
Já no primeiro UFC Rio, realizado em agosto de 2011, a emissora RedeTV!, que transmitiu a luta, comercializou cotas com Gillette (P&G), Cachaça 51, Betboo e Integralmédica. Até tradicionais times de futebol estão investindo no universo do UFC, como o Corinthians e o Flamengo. Inclusive, o time paulista já lançou uma linha de produtos ligada à modalidade.
Para a professora Clarisse Setyon, coordenadora do curso Gestão do Entretenimento na pós-graduação da ESPM, "se o público-alvo de uma marca está assistindo MMA, a empresa tem que estar com ele. Porque não temos mais o consumidor sentado atrás da televisão esperando comerciais para tomar uma decisão de compras".
Clarisse fala que a visibilidade do esporte desperta o interesse até em públicos indesejáveis. "Outro dia estive em uma loja de suplementos alimentares e eles estavam vendendo uma coleção enorme de camisetas dessas que os lutadores se apresentam na entrada do ringue. E hoje, o maior problema da loja é o roubo dessas camisetas. Os ladrões não querem mais os suplementos nutricionais e sim as camisas do MMA", relata a professora.
Da reformulação ao sucesso no Brasil
Muita gente não sabe, mas as competições do UFC nasceram por brasileiros em 1993. A família Grace, especialista no jiu-jitsu, foi a responsável pela organização das primeiras competições, justamente para provar a eficiência de seu estilo de luta. Por sinal, através do lutador brasileiro Royce Gracie, foram conquistados três das quatro primeiras edições do evento.
No entanto, o nível de rejeição pela modalidade foi muito alto pelos não praticantes de artes marciais. Como não havia regras, juiz, diferenciação de categorias ou limite de tempo, a competição ficou marcada pelo excesso de violência e brutalidade. Só depois da sua reformulação - ocorrida ao longo das edições - que a competição passou a ganhar simpatizantes.
"O esporte de fato evoluiu do antigo vale-tudo no início da década de 90. Houve um trabalho importante dos organizadores e dos atletas nos últimos 10 anos para aproximar a prática de algo mais relacionado ao esporte e menos à luta livre, ou luta de rua. A definição de regras para amenizar essa característica mais selvagem do MMA, como uso de luvas e atuação mais incisiva do árbitro para evitar o desfalecimento do lutador, contribuíram para melhorar a imagem do esporte e alcançar mais adeptos", destaca Fernando Trevisan, professor de marketing esportivo e diretor geral da Trevisan Escola de Negócios.
Outro ponto importante deve-se à clara mudança de atitude dos lutadores, que entenderam a importância de seus atos dentro e fora do octógono para a imagem do esporte. Alexandre Matos, do portal MMA Brasil, acredita que "a exposição dos atletas, mostrando que são pessoas comuns, sem o rótulo maldito dos pitboys, ajudou muito para melhorar a imagem do MMA".
E nessa linha de frente, muitos brasileiros se destacaram. Atualmente trinta e sete lutadores nacionais estão contratados pelo Ultimate Fighting Championship e distribuídos em sete categorias de peso, dos quais três são campeões: José Aldo Jr [peso pena], Anderson Silva [peso médio] e Júnior "Cigano" dos Santos [peso pesado].
Para Bruno Mendonça, o desempenho dos brasucas é determinante para o sucesso no país. "Sem dúvida, o fato de lutadores brasileiros participarem da competição cria um laço de identidade entre o torneio e o público, fazendo-o acompanhar cada luta. Mas a questão relevante é termos tantos brasileiros bem-sucedidos em diferentes categorias", destaca.
Expectativas e consolidação
E o negócio do MMA não para. Já tem filme pronto e sendo preparado sobre o tema. "Anderson Silva: Como Água" foi lançado em 2011 contando a preparação do lutador no primeiro combate contra o americano Chael Sonnen. "Vale tudo – uma história de luta" deve estrear em breve contando a vida do campeão José Aldo. A rede Globo, além das lutas no Brasil, transmitiu o reality show The Ultimate Fighter (TUF). Até a escola de samba Beija-Flor entrou no clima e sediou o primeiro evento de MMA da cidade de Nilópolis: O Beija-Flor Fight Combat.
"O recente contrato e transmissão realizadas pela TV Globo colocou o esporte em outro patamar no país. Antes restrito a um público praticante ou já familiarizado com a modalidade, agora o UFC chegou a outras classes sociais, o que permitirá a criação de uma demanda maior por produtos, academias, competições regionais, patrocínios locais e muito mais", relata Bruno Mendonça.
Mas não é só isso, afirma o professor Fernando Trevisan. Ele acredita que o esporte ajuda a consolidar a imagem do Brasil como um excelente organizador de grandes eventos. "O esporte é parte da indústria do entretenimento, uma das que mais crescem no mundo. E a realização do UFC no Brasil é mais um indicador de que o país está definitivamente na rota dos megaeventos, sejam os esportivos, sejam os grandes shows de música. Sabiamente, os gestores da marca acompanharam essa tendência e perceberam o potencial de crescimento do Brasil", explica Fernando.
No entanto, apesar do clima de otimismo, todos entrevistados para essa matéria foram unânimes em dizer que ainda existem algumas barreiras a serem vencidas. Apesar da aceitação do esporte por parcela da população, o índice de rejeição ainda é alto. Mas esse parece ser um desafio que organizadores, lutadores e admiradores estão dispostos a enfrentar de frente e nocauteá-lo com o tempo.
Não confunda
MMA (Mixed Martial Arts) | UFC (Ultimate Fighting Championship) | |||||||
São as Artes Marciais Mistas que incluem tanto golpes de luta em pé quanto técnicas de luta no chão. O MMA é considerado o esporte. | Uma das organizações que instituem torneios das Artes Marciais Mistas. Hoje, o UFC domina 90% do mercado de MMA no mundo, e sua marca foi avaliada em R$ 2 bilhões pela revista Forbes. |
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